quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

ELEGIA

         
                                                                  Rafael Martins


A tristeza às vezes sólida
como pedra inevitável ao toque,
inextraível
como medula.

Se desceres as pálpebras,
ela é teus olhos.

Por isso já não mistifico
este Paul Celan
de olhos fechados
na fotografia.

Por isso à noite inteira
isto enovelou-se a seco
dentro da boca.


Paul Celan imaginado por Dennis Del Favero




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

RUÃO

                                                                        Maycon Alves

pra mim pouco importa:
queria mesmo era travar
a língua num bar desses
e sair rodopiando pela cidade.

naufragar em seus esgotos
no ardente cheiro do subaco do caboco,
                                             dos pretos
                                             desse caipira mestiço.

afogar.
combustar.
diluir.
ebulir.

e                                            mergulhar nesta trama,
                                              no volume de suas dores.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ELEGIA A BESTA


                                                                      Getulio Cardozo


O animal envolvido numa manta
com otimismo keynesiano
diz “ vem,irmão”

uma hiena que me deu o caminho
e um pouco de ilusão

soubesse Dante
essa passagem secreta
essa comédia descrita em O Capital

então percorri o que já estava morto


cito o último relatório


a excessiva palidez do rio Hudson em fuga
o olhar triste do Minnesota
adeus, adeus JP Morgan
adeus Stanley Fischer



cito os hotéis de luxo
onde gritavam: viva Willian “Boss” Tweed,
político truculento e rei da corrupção!


e gênese


produzam as águas Caça F-14 Tomcat
bombardeiro B-52


Republic


o abominável Stix
uniformes repletos de glória
ouve-se tocar no velho pântano
do Downtwn Athletic Club
o telefone
de Wall Street
parece a voz de Frank Sinatra
mesmo assim o áureo F-14
parte para Republic
onde as águas do Missouri são serenas
e não há aqueles meninos
famintos da Somália



Senhor! Senhor!- Grita o velho Theodore Rooselvet
sob o jazz do gerente Louiz
e no maldito Fed o blues


financista miserável!


- Marilyn Monroel

as cores que George Washington pintou
não são ciprestes


- Smith e os juros olvidados da comédia?   


haverá bastante estupidez
para manter isso, diz
o gênio do jazz Duke Ellington
estão todos mortos e
persistem
nesse jogo de beisebol


domingo 16h30

um financista do outro lado do rio Hudson
diz ao irlandês rico
que não vale nada aquela peça de escafandro

um cara do Bronx
examinou aquilo, achavam
que pertenceu a Theodore Roosevelt
que nada!

outrora, deste lado em que o sol
se punha e que foi morada do horizonte
ficava o North Undersea Museum
aberto aos domingos
para os animais do Pentágono


       gospel gângster


Os Beatles rasgam rochas e colinas
pois são os altos desígnios de Rockefeller
os corretores da bolsa caem dos prédios
com pés de harpias
para as goelas de Cérbero
as asas velozes do míssil Tomahawk
dorsos nus da cordilheira do Himalaia
nas luminárias do firmamento 


Que lugar é esse? Perguntei a Whitman

a cítara se cala

nenhum deus pra jogar baralho comigo


vozes num trecho de túnel
talvez Madison Square


Nem ligam de viver espremidos
com negros e latinos
pois perderam o brilho e a vergonha

não é verdade que altos funcionários
viraram pó?

no Central Park
vim saber que se tratava do presidente
dos Estados Unidos. Aí me disseram rindo
que o calor e o frio disputavam com ele
o último duelo.

domingo, 16 de outubro de 2011

O FRÁGIL ALICERCE DO SOBRADO


Maycon Alves

O conjunto arquitetônico do início do século xx que se localiza na parte central da cidade ainda hoje é capaz de gerar longos debates e exercer o fascínio sobre grande parte dos transeuntes que ao redor da Praça da Matriz e do Rosário se locomovem. Quem por ali passa admira aqueles casarões de porão alto e de grandes proporções geométricas – as janelas são tão próximas da rua que até se houve a respiração dos coronélos. E já que estamos numa sociedade classista, não seria abuso dizer que não são poucas as manifestações que resgatam estes respiros. Veja-se, por exemplo, que a pequena burguesia mocoquense (novos ricos) adora arrematar antigos casarões de famílias “tradicionais” e vestirem seus tecidos ou, como novas cores – como na recente exposição de aquarelas retratando os sobrados – retocar o nosso passado. Fascínio e desejo de estarem ao lado dos vencedores, reproduzindo e se comportando como tais.
Mas acontece que está ficando caro para estes edifícios sustentarem a “fabricação histórica” da cidade apenas pelo coeficiente cafeeiro. Ou seja, é o mesmo que defender a Ditadura Militar pelo viés econômico do Milagre Brasileiro ou anistiar o malufismo paulista por um viés de segurança pública. O que pretendo dizer é que a nossa elite para se perpetuar no poder direcionando a vida política e econômica local, serviu-se durante muito tempo da fabricação do discurso de um possível progresso que agregaria toda a sociedade. Não veio. O que aconteceu foi o contrário. No entanto, se encararmos a concepção de progresso como determinadas características (energia elétrica, luz, telefone, escola, cinema, carro...) da sociedade urbano-industrial da primeira metade do século passado, veremos que o tal progresso (ou modernidade) desenvolveu-se dentro de uma esfera econômica e política muita restrita e, mesmo influenciando no platô urbano, não foi suficiente para integrar horizontalmente a população de baixa renda. 
Para vermos o quanto o abismo entre usufruir do progresso e não usufruir era longo, observemos o seguinte dado do IBGE num estudo datado de 1955, mas realizado em 1950: 71% de nossos habitantes estavam no campo. Algo talvez que não nos surpreenda, posto que a nossa força econômica provem da agricultura. No entanto, do outro lado, num total de 21 mil habitantes da cidade, 10 mil eram analfabetos. Porém o que é mais escandaloso é o número de matricula geral do ensino primário fundamental comum (1950): 3. 107 pessoas dentro de uma população urbana de 8. 651 e 21. 879 pessoas no campo. Ou seja, generalizando, apenas 3% desta população tinha acesso ao progresso.   

Café com sangue

Ainda na contramão da modernidade, vamos ter no final dos anos setenta um aumento de migrantes do campo para a cidade. Daí que a nossa elite, despreparada e torpe entrará  num turbilhão de decadência econômica e política perdendo espaço para novos agentes políticos que, embora reivindiquem a sua bandeira, não necessariamente descendem de grupos tradicionais da terra. Será um período em que o grupo denominado Itaiquara, liderado por jagunços políticos se dissolverá. E em 1972, será eleito o Padre Demóstenes com um vice extremamente fraco e inexpressivo, porém com uma forte arma de oposição: as linhas do jornal A Mococa.
E são das piores as condições do homem do campo e daqueles que estão vindos residir na cidade, mas que retornam para a roça como mão-de-obra muito barata: Cr$ 25,00 por dia. Isto se constitui parte do modos operanti de nossa elite agrária: exploração da terra e de mão de obra. 
Além da extrema dificuldade para sobreviver, o descaso para com o “bóia-fria” chega ao extremo: “foi às cinco horas da tarde. Eles moravam na fazenda e a filha na cidade, pois ela trabalhava na casa do patrão. Mandaram avisar que era para eles irem até a cidade, pois a filha estava passando muito mal na Santa Casa. Foram. Quando lá chegaram, encontraram a filha morta, toda rebocada de sangue e café, estirada à beira do fogão” (formigão, março 1976, pág 3). Talvez obra do destino de uma cidade, mas café e sangue sempre estiveram lado a lado desenhando o passado de Mococa. Neste sentido, creio que devemos soltar os vampiros pela cidade. 
Talvez hoje o dedo na ferida nem doa mais, mas devemos enfiá-lo. Todavia, mesmo sendo algo panfletário ou em desuso, reitero aos mocoquenses de origem humilde, ligados àquela gente pobre que migrou do campo e que sobreviveu ao massacre das zelite nativa, que não devemos reverência a estes prédios com símbolo de nobreza, pois suas sacadas e seus jardins de caramanchão são a antiMococa. É a negação e a desnorteação de nosso passado. E mesmo que o discurso de preservação do patrimônio histórico seja forte, reclame então, sobre o porquê de não se preservar o espaço daqueles que derramaram o suor trabalhando na lavoura.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

FAROESTE EM CRISE


Getulio Cardozo


Roma, Babilônia, Baal, estão afundando e Marx está de volta. Wall Street desta vez tremeu as pernas. Está chegando ao fim o faroeste dos 1% mais ricos dos Estados Unidos.Os 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.

Em 17 de setembro, um grupo relativamente pequeno de pessoas frustradas com a crise financeira nos EUA e com a resposta que o governo do país deu a ela, acampou no Parque Zuccotti, na cidade de Nova York – próximo ao local onde estavam as Torres Gêmeas e próximo a Wall Street.

Uma semana depois, os nova-iorquinos começaram a acampar, 80 manifestantes foram presos e ao menos quatro foram atingidos por sprays de pimenta da polícia, quando marchavam pelo distrito financeiro de Nova York.

Depois de duas semanas, milhares de manifestantes se dirigiram à Ponte do Brooklyn e 700 foram presos, enquanto marchavam diretamente pelo famoso vão que dá nos bairros nova-iorquinos de Manhattan e do Brooklyn.

A ação se tornou conhecida como "Ocupar Wall Street", um trending topic que se tornou viral no Twitter, no Facebook e, como os organizadores esperavam, nas ruas.

Demorou, mas os 99% do Império começaram a se erguer.

Se tucanos, neoliberais quiserem saber o que está acontecendo, leiam Marx. A crise desenterrou o socialismo que imaginavam morto. No leito de morte, a tucanada brasileira assiste ao enterro da social-democracia.

(Com base em textos do site Carta Maior)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

FOLHETIM: HISTÓRIA UNIVERSAL DA CIDADE DE MOCOCA


                                                                                                    Getulio Cardozo


Há uns dois anos que vinha trabalhando num romance sobre os reflexos da ditadura militar em Mococa, pois tenho muito material dessa época, principalmente jornais da imprensa alternativa, como Movimento, Opinião, Versus, Politika, etc. Tenho muito traste na memória para ser usado. A idéia inicial era trabalhar um tema da época do jornal Formigão, que eu e o Jefferson Zanchi fundamos nos anos setenta e que foi uma espécie de Pasquim em Mococa. Escrevi umas trinta páginas, numa narrativa fragmentada, buscando reconstruir o ambiente da época, usando colagens de anúncios, editoriais do jornal A Mococa, Tribuna do Vale do Rio Pardo, Formigão. Inseri até um roteiro cinematográfico criado por uma personagem que dei o nome Carmem Lucia, que teria sido engravidada pelo delegado Fleury no pau-de-arara.

O mais difícil era o nome para o romance. Testei vários, mas nenhum me agradou. Essa tarde me surgiu uma idéia luminosa: Historia Universal da Cidade de Mococa! Um livro onde o que importasse fosse a quantidade de páginas e não a qualidade literária. Uma espécie de dispensa onde pudesse reunir tudo o que existiu e existe em Mococa.

Faltava um personagem com sintomas de demência para administrar aquele hospício, alargar até o infinito aquela bagunça . Foi quando o Wahsignton me contou a história de Filhinho Toledo, um velho mocoquense sempre de terno e chapelão na cabeça, que não dizia coisa com coisa. O que me surpreendeu foi o nome: Filhinho Toledo. Imediatamente fui buscá-lo no mundo dos mortos para o meu romance.

Para que Filhinho Toledo tivesse espaço no meu livro, tive que derrubar muita parede, botar no saco de lixo muita coisa que havia escrito. Entretanto, o desfile de personagens não parou aí, pois surgiram em cena Mané Garrucha, o taxista Amadeu , Nhô Frô, Serapião do Brejo Alegre, Mario Lauria, Til-Sil, Curruila, urubus comendo vaca morta no pasto do Geninho, eu com dezenove anos subindo o morro da Mocoquinha deprimido, Zé do açougue, meu amigo Queio, Jorge do Bar do Bechiga etc.

Meses depois, li no jornal a reportagem sobre um skinhead gay, morto pelos próprios companheiros. Percebi que precisava desse personagem para desconstruir uma porção de medos, preconceitos, principalmente numa cidade com ranço de coronelismo como a nossa.  Esse skinhead se transformaria numa espécie de monstro, pois nele baixaria tudo que fosse espírito ruim da velha aristocracia rural, toda crueldade dos barões, todo mal feito do clero e da milícia. Portanto, mandei esse skinhead bicha ter umas aulas com o diabo.

Sem meu consentimento muitos outros personagens foram surgindo no universo da minha ficção, talvez seres que há muito aguardam no limbo do inconsciente o momento de se manifestarem. É nesse momento que a ficção sobrepõe o mundinho do autor com suas idéias, conceitos e sentimentos. O autor não se reconhece mais naquilo que está escrevendo. Nesse sentido, o romance moderno é sempre uma experiência nova, revelando que a palavra será sempre uma desconhecia, uma estranha entre nós. Rompe do nada um mundo desconcertante e em cada ocaso surge uma cidade diferente.

Nessa minha experiência com um romance sobre Mococa dos anos 70, deu tudo errado o que planejei. A pirâmide que estava erguendo para ser contemplada no futuro veio por terra. A história real da época da ditadura é um tênue fio onde caminho com medo de escorregar. É um trabalho humilde e que às vezes leva longos períodos de espera. Escrevi 10.221 páginas para esquecer por uns tempos na gaveta, até que consiga tranqueira suficiente para minha história universal de Mococa.

Ob.: Estou em contato com uma empresa multinacional que fabrica fumo de rolo para patrocinar a publicação do romance em forma de folhetim.



domingo, 18 de setembro de 2011

O CARRETEL DE ORFEU: DUAS PALAVRAS



                                                                                                       Maycon Alves


Já nas primeiras páginas do livro observa-se uma apresentação rápida e ampla. Nem tanto à terra nem tanto ao mar. Porém o poeta vai emitindo a sensação de quem está suportando um peso no lombo. Um incômodo, talvez. As palavras estão desajeitadas, parecem percorrer uma larga avenida (talvez um desses espigões centrais que corta a cidade com paralelepípedos), mas sem movimentos bruscos, rodeia a cidade tateando a face dos sem níquel. Citadinos miseráveis, migrados do campo, que mastigam a saudade da roça picando fumo de cócoras.

 É onde os pés do autor, cansados de apertar a terra no vão dos dedos, estancam em “Noite”. Quase um alívio. “Noite” é a aspirina do livro. O vento que sopra dali em diante parte das entranhas ao mundo. Poema-suspiro que enche o peito do poeta pra mais um trago de estória. E é dali do alto, onde só se houve a voz dos vencidos, nos “arredores da freguesia”, que desemboca a tormenta dos rostos esquecidos. Dorme. E quando dorme cria. E neste sono, está o poeta descompensado, torto, entrevado entre os galhos pesados de catuaí, de fachadas de santos, de retratos de capitães, de títulos de nobreza, de hectares e dos cardápios franceses. Toda balela de belle époque é insuficiente perto das taperas, das batidas de mamão com gordura... Toda aquela toada de trejeitos senhoriais vai se desfazendo com o fim de “Noite”. As estrofes são moles, tem o barulho da rua, o paletó não existe mais. A cidade é vista pelas frinchas, a pinga solapa o champanhe. Agora, aliviado da trouxa brasonilica, batizado pelos foros de zinco, outras vozes se expandem no texto. Cada ponto e cada vírgula se confundem com as picadas de enxadão que vai revirando a terra.

No entanto, dois poemas (“Os Casarões” e “O Mal Feito”) têm um desdobramento maior e pede algumas palavras a mais.

Se para Oswald de Andrade em São Paulo só tinha dez famílias, em Mococa, juntando todas, talvez desse uma. Mas acontece que “Os Casarões”, são uma espécie de cancro que dominou a arquitetura histórica da cidade. Houve somente uma decadência física desses espaços, posto que a grande mística ainda direciona certos setores da sociedade mocoquense. Tanto que há mais de um século a historiografia de Mococa não se desprendeu deste aspecto cíclico, do qual se parte de “Os Casarões” para retornar aos “Os Casarões”. Este entendimento camuflou novas possibilidades de discussão acerca da história de Mococa, o que não quer dizer que outros canais de discussão não estejam se abrindo.

Mas ainda assim é interessante notar a percepção do poeta, onde “a arte deu-lhes carta de alforria”. De fato o aspecto de pujança prevalece mais do que o ambiente decadente, degradante. Mas talvez possamos levar adiante a máxima de que a história se repete uma vez como tragédia e outra como farsa. Esta “absolvição pela arte” caminhou no sentido de emperrar e engessar o nosso desenvolvimento político enquanto cidade que agrega o seu passado ao seu cotidiano. E não seria muito dizer que o passado de Mococa não é (apenas) este vendido nos manuais. E estes “Casarões” só não estão de “joelhos” perante a história de Mococa por conta de uma forte enxurrada ideológica que os anistiaram cotidianamente.
 
Neste mesmo caldeirão, o poeta acrescenta o tempero de “O Mal Feito”. Novamente um forte reclame ao nosso passado. O qual permanece incompleto, com muitas vozes “na sombra”, sedentas para serem arremessadas ao sol. Pois Mococa parece ter sido amaldiçoada com a praga de Eco lá do mito grego. O fato é que não devemos ser cúmplices ao admitir que herdado de nosso passado “muros sem protestos”. Pelo contrário. A questão é que estes muros padecem de bolor. Estão cobertos do napier plantado pela própria elite.

Ademais, ao final da leitura, fiquei matutando aquela frase do Drummond na cabeça de que “toda história é remorso”. Mas como remorso e remoer são algo muito semelhante, este novo livro do Getulio Cardozo é pra remoer e aliviar o remorso.